segunda-feira, 26 de julho de 2010

Capítulo XIV - Paz - Hagia Irene

A van saiu e o tal que havia prometido levá-los até Ibraim começou a falar.

- Mohamed descobriu que vocês, chegarem e saírem do hotel da forma como fizeram com motos e muito barulho, levantaram a desconfiança e raiva do pessoal do sultão. Você e suas idéias maribulantes não é Amir?

O irmão de Ibraim olhou para Amir e Ali e perguntou:

- Você conhece esse sujeito?

- Sim. Fazemos parte de um grupo que tenta mudar algumas coisas nesse pais, continuando o que Ataturk fez. Temos um certo apoio dos militares, mas nada muito explícito. Por isso que ao você sair da loja de perfumes com ele eu fiquei aliviado.

- Ficou aliviado depois de fazer uma besteira de levar vinte motoqueiros fazendo arruaça pelas ruas de Istambul, levantando suspeitas de todas as formas. – Replicou o rapaz que os levava.

Amir deu um sorriso meio sem graça, e o rapaz continuou:

- Enfim. Vamos agora até a antiga Igreja de Santa Irene, na área do Palácio Topkapi, lá encontraremos o resto do grupo e traçaremos uma estratégia.

A Igreja de Santa Irene era provavelmente o templo mais antigo de toda Constantinopla. De uma beleza particular, estava constantemente ameaçada pela idade e pelo tempo. Não sendo aberta ao público, a não ser em ocasiões muito especiais. Ao contrário do que parecia, não era uma homenagem a uma mulher santa, mas sim à Santa Paz, que em grego era Irene. Estranhamente a Igreja mais antiga da cidade tentava homenagear aquilo que a cidade poucas vezes tivera em sua história.

Desceram atrás de um parque e foram a pé por uma subida que chegava a uma construção bem antiga. Mal chegaram e alguém lá dentro abriu a porta, deixando-os entrar e fechando a porta imediatamente apos eles entrarem.

A Igreja era um pouco escura, mas ainda entrava um pouco de luz do final do dia. Era um verdadeiro lugar de paz, depois do burburinho e correria do Grande Bazar. Paz, como o próprio nome do local pregava, era o que parecia que era possível de ser atingido naquele lugar.

Entraram em uma sala que parecia ser algo como uma sacristia e lá estava Mohamed, Ibraim e Meryem. Os três vieram abraçar e beijar o irmão de Ibraim como se não o vissem há anos. Depois da euforia inicial Mohamed começou a dizer.

- Finalmente estamos todos aqui. Como eu explicava pro Ibraim acho bom também lhe explicar a gravidade da situação.

E num tom solene e professoral prosseguiu:

- Você sabe que a Turquia é um pais laico, porém de população muçulmana. Nós turcos, nos orgulhamos muito de sermos assim, tolerantes e abertos. Por um lado somos europeus, com idéias abertas e de respeito humano como o mundo ocidental. Porém sofremos uma pressão muito forte de nossos vizinhos muçulmanos para sermos mais radicais e nos tornamos um estado teocrático.

- Alguns desses vizinhos, descobriram que existe um pequeno grupo de turcos que querem que a Turquia seja um estado teocrático. E, descobriu que algumas famílias poderosas que perderam o poder com a revolução que Ataturk implantou, poderiam estar interessadas nesse retorno e até financiarem ações que levassem o poder novamente para as mesquitas.

- O Sultão é talvez o melhor exemplo desse grupo. Com um poder forte na região dele, conseguiu criar ramos até mesmo nas principais mesquitas de Istambul. Ele tomou o caso de Meryem, com quem casou quando ainda ela era uma criança, e depois a libertou, como algo pessoal e uma guerra que já tornou-se praticamente o exemplo de toda a luta para impor-se no poder.

- Você quer dizer que, se ele impedir a Meryem de casar-se novamente, ou algo parecido, ele ganhará mais poder? – Perguntou Ibraim.

- Exatamente. Essa história da Meryem é mais conhecida do que vocês imaginam. Mas a maioria da população acha que não passa de lenda e que não existe esse tipo de atitude na Turquia de hoje.

- Nós precisamos garantir o futuro livre de Meryem, para usar como uma forte propaganda anti-teocratizacao da Turquia. E teremos eleições em breve. E o partido que apóia todo esse absurdo tem ficado mais forte. Se conquistarem mais mesquitas, eu tenho medo que a Turquia volte ao passado. E não só a Meryem, mas como todas as mulheres, os curdos, e outras minorias perderão a liberdade que possuem hoje.

- E qual o plano? – disse o irmão de Ibraim.

- Precisamos tirar Ibraim e Meryem da Turquia primeiro. E, uma vez que eles estiverem salvos nós divulgaremos a história. Mas se Meryem não sair e for obrigada a voltar para o Sultão, será fácil negar tudo o que conseguimos juntar até agora.

- Ta. E como faremos isso? Quando é o próximo vôo pra qualquer lugar da Europa?

- Esse é o problema. Ibraim já está visado e não conseguirá embarcar em nenhum vôo acompanhado de uma mulher. Eles possuem influências em todos os aeroportos e fronteiras. Tirar Ibraim sozinho é fácil. Mas tirar Meryem é impossível. Pelo menos dessa forma.

- Eu não saio sem Meryem. – disse Ibraim, abraçando a moça de uma forma terna jamais vista pelo irmão.

Ibraim era outro homem, um homem decidido e carinhoso. Demonstrando afeto de uma forma jamais vista. O irmão de Ibraim por alguns instantes tentou lembrar quando que vira o irmão feliz alguma vez. E ali, em uma situação difícil, mesmo com risco de morte, Ibraim era o homem mais feliz do mundo.

Um silencio tomou conta do lugar por alguns instantes. O irmão de Ibraim quebrou o silencio falando.

- Há um jeito. Você disse que eles conhecem Ibraim e o estão seguindo.

- Sim. – disse Mohamed, é o que nossos informantes nos passaram.

- Pois eu acho que eles não sabem quem é Ibraim. Para eles Ibraim sou eu.

O irmão de Ibraim então contou-lhes em detalhes as inúmeras vezes em que lhe chamaram de Ibraim, inclusive dentro da mesquita, quando foi ameaçado.

Mohamed ficou excitado, vislumbrando uma solução para todo o problema, em turco pediu a Amir que entrasse em contato com um dos seus agentes do aeroporto, para que enviassem a foto distribuída pelo grupo do Sultão. Amir saiu da Igreja e fez algumas ligações no seu celular. Enquanto os outros ficaram dentro da Hagia Irene em silêncio, mas não em paz.

Amir voltou correndo com o celular na mão. Esbaforido e ofegante ele disse:

- Realmente, eles fotografaram o irmão de Ibraim! – Mostrando no celular a imagem enviada pelo companheiro do aeroporto.

A imagem que circulava era claramente a do irmão de Ibraim, no dia em que pousaram em Istambul. Ibraim até aparecia em parte ao fundo, porém desfocado e cortado. Para os teocratas Ibraim era seu irmão.

Um comentário:

  1. Cade mais?
    Eu preciso de mais....
    Gente que história viciante!

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