quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Capítulo IV - Ibraim - Éfeso

Aquele barulho retumbante dos tambores acordara Ibraim. Primeiro ele pensou que fosse algo passageiro, mas os tambores continuavam fortes, marcando um ritmo lento e pesado, triste e contínuo que atravessava o travesseiro que ele havia colocado sobre a cabeça. Não eram nem cinco horas da manhã quando os estrondos começaram, Ibraim desistiu de dormir e levantou-se, abriu a cortina tentando ver se via algo, mas o barulho vinha de todos os lugares e visivelmente não era de lugar algum. As luzes das casas dispersas ao pé da montanha iam acendendo-se e mesmo no hotel um certo movimento começava. Ele, sem virar para o irmão, ainda tentando enxergar algo ao longe, perguntou ao irmão:

- Você tá acordado brigão?

 Colocando as mãos sobre os ouvidos, tentando abafar o som dos tambores ele disse:

-Claro que estou! Com um barulho desses, duvido que tenha alguém acordado em todo o país. Quem consegue dormir? Eu detesto este tal de Ramadã!

- Só não fale isso alto e em público se não quiser apanhar mais. Mais três dias e isso acaba. – Disse Ibraim com um riso no rosto.

- Mais três dias e eu volto pra Londres. Sorte a sua que vai ficar ainda mais algum tempo. Você vai poder dormir de noite, comer e beber de dia e fazer essas coisas que gente normal faz.

Ibraim deu uma gargalhada e disse:

- Você teve azar ontem. Não se preocupe com isso, A partir de agora a gente só vai em lugares maiores e turísticos. Você pode beber e comer à vontade a qualquer hora, inclusive durante o dia! Em falar nisso olha só o que a Lúcia lhe enviou, esqueci de lhe entregar ontem.

Ibraim abriu o armário e tirou uma sacola plástica de supermercado da mala. Jogou a sacola na cama do irmão e voltou para a janela para espiar o movimento.

-Faz tempo que eu não vejo uma sacola plástica, sinto-me um assassino carregando uma. É proibido em todo lugar aqui na Europa. Mas a gente não tá na Europa não é? – disse ao irmão sem esperar resposta, pois sabia muito bem que estava na parte asiática da Turquia.

Ao abrir o saco ele viu dois pacotes grandes de bombons sonho-de-valsa e vários chokitos e prestígios. Ele ficou olhando aqueles bombons por alguns instantes. Aquelas bolas prateadas embrulhadas em papel celofane vermelho lhe trazia boas lembranças, mas também fazia o lembrar dos últimos oito meses em que estava abstêmio.

Há exatamente 8 meses e 14 dias, em uma noite fria de outono, ele havia acordado no meio da noite como acordara muitas noites antes. Sozinho em casa, com muito sono mas ao mesmo tempo sem conseguir dormir, vagava pela casa, tremendo. O gosto de chocolate veio até sua boca e esta encheu-se de água. Em busca de um chocolate para comer, abriu todos os armários da cozinha e não encontrou nada. Foi em todos os lugares em que escondera chocolates de si mesmo, atrás dos livros na estante da sala, na caixa de remédios, na tupperware em cima do microondas, na gaveta onde guardava documentos. Não encontrou chocolate algum. Verificou em todos os bolsos dos paletós e casacos, tirando-os do armário e jogando-os no chão, mas definitivamente não havia chocolate naquela casa. Ficou ali parado olhando as portas dos armários e as gavetas abertas, os casacos no chão e sentindo na boca um gosto amargo que só poderia ser suavizado com um bom pedaço de chocolate derretendo lentamente na boca. Eram duas e meia da manhã, ele não teve dúvidas. Colocou uma roupa quente e foi até a lojinha de conveniência no final do quarteirão. Comprou duas barras de 200 gramas de chocolate ao leite, uma Lindt e outra Cadbury e, só pra ter uma reserva técnica, uma barra de chocolate meio-amargo da Nestlé. Voltou para casa e no meio do caminho, antes mesmo de chegar ao apartamento já havia devorado a barra de Cadbury. “Essa barra está menor do que era” – pensou ele ao ver que comera todo o pacote.

Chegando em casa ele sentou-se na beira da cama, abriu o pacote de Lindt e começou a comer bem devagar a barra de chocolate suíço. Este devia ser comido lentamente, cria ele, pois era o melhor de todos os chocolates encontrados no varejo comum, em supermercados e mercadinhos.

Ao terminar o último pedacinho – minutos depois de ter chegado em casa - ele caiu em si e lembrou que esta cena havia se repetido pelo menos 10 vezes no último mês. Já não podia mais ficar sem chocolate pela manhã, no meio da tarde comia mais uma barra e no caminho pra casa, sempre comprava mais uma barrinha. Era pelo menos meio quilo de chocolate por dia. Decidiu que no dia seguinte iria procurar o núcleo de Chocólatras Anônimos que reunia-se no salão da igreja de Santa Mônica, em Hoxton Square. Mas isso seria no outro dia. Aquele dia ainda tinha uma barra de chocolate meio-amargo para comer.

O grupo reunia-se todas as quartas-feiras às sete horas da noite. Foi recebido por uma senhora magra, alta, com seus cinqüenta anos que abriu as portas e muito simpaticamente ofereceu um chá. Um ou dois minutos depois já começaram a reunião.

Sentaram-se em círculo e a senhora que havia recebido-o começou falando o nome e há quanto tempo não comia chocolate, contando das dificuldades que viveu na semana que passou. E assim todos foram se apresentando, quando foi sua vez ele se apresentou e todos repetiram seu nome em coro após um bem ensaiado e uníssono “boa noite”. Ele então disse, com muita vergonha:

 Estou há 10 minutos sem comer chocolate.

Todos riram, reconhecendo no rapaz a si mesmos alguns meses atrás. Abraçaram-se e despediram-se. Ele continuou indo às reuniões, religiosamente, todas as quartas-feiras. E, desde que juntara-se ao grupo que não comia um grama sequer de chocolate.

 Estou há 8 meses e 14 dias sem comer chocolate! – Pensou ele, olhando para dentro da sacola cheia de chocolates.

Ele olhou para Ibraim, que estava de costas para ele, olhando pela janela, olhou novamente para o saco, tirou um dos pacotes de sonho-de-valsa, rasgou o pacote e tirou um bombom. Olhou-o atentamente. Como era belo, como era gostosa a textura do papel celofane e como brilhava... A luz do quarto atravessava o papel e atingia o papel alumínio que protegia o bombom. Aquele contraste entre o vermelho translúcido do celofane e o prateado do papel-alumínio era mágico. Ele segurou o bombom pelos lados e abriu o. Retirou o papel alumínio e comeu imediatamente o bombom antes que mudasse de idéia e pensando quase em voz alta: “Um bombom não vai fazer mal, um só”.

Ao colocar o bombom na boca recordações da infância vieram à sua memória: brincadeiras no parquinho, natais na casa da avó, o medo que tinha do Papai Noel, a alegria de abrir um pacote de figurinhas, a esperança de encontrar a última figurinha para completar o álbum, cantigas de roda, tudo rodava à sua volta em uma valsa, em um sonho. Lembrava-se dos grandes espaços vazios da capital durante sua infância, dos jogos de bolinha de gude, dos jogos de queimada, bete, pique-esconde. Das fugas espetaculares para escapar do “graminha” que perseguia os meninos que pisavam nas gramas e subiam nas árvores, outras fugas para escapar das palmadas e dos castigos. Tudo vinha numa seqüência sem fim e desordenada. Era um prazer indescritível que o fez suspirar. Ele degustava o bombom de olhos fechados. À medida em que o gosto do bombom ia passando as imagens iam desvanecendo-se. E, como quem põe mais lenha na lareira, ele ia abrindo um novo bombom e desta forma, ia fazendo as imagens ficarem mais vivas e intensas que nunca. O segundo bombom ele já o comeu mais devagar, mordendo e colocando na boca apenas a casquinha superior de chocolate. Derretendo-a na língua, comendo o restante, e sentindo o mesmo prazer novamente, e outras sensações que antes estavam adormecidas vieram à memória. Ele lembrava dos sonhos em que voava, quando flutuava sobre a cama e voava pela casa, pela cidade, pelo mundo - como gostava de sonhar que voava! Lembrava dos monstros nos armários e corredores, recordava-se do caminho que fazia para chegar em casa vindo da aula, da conga cheia de areia do parquinho, do cheiro de terra molhada com as primeiras chuvas depois da seca. Em poucos minutos abriu um terceiro bombom, outras imagens, outras sensações, um quarto, um quinto... era simplesmente impossível parar.

O chocolate era mais do que um simples doce. Era uma droga alucinógena e perfeita. Melhor que qualquer outra coisa já vivida ou ainda por viver. Ele toca nas emoções e no prazer. Ele acalma e seduz. Ele eleva os sentidos e os sentimentos a níveis que o corpo não chega por si só.

Ibraim virou-se para comentar alguma coisa e viu o irmão estendido na cama, com a boca toda lambuzada de chocolate, o pacote vazio e as embalagens rosas abertas e amassadas jogadas na cama e esparramadas pelo chão.

-Você comeu o pacote todo? Pensei que você tinha parado com isso!

-Pensou errado cara-pálida. – Disse o irmão com uma voz que mais lembrava um bêbado e com um sorriso bobo no rosto.

-Vou guardar esses chocolates agora mesmo! – disse Ibraim dirigindo-se em direção à cama do irmão.

O irmão que prostrava-se na cama como se em êxtase estivesse, mais que depressa levantou-se e pegou o saco que a irmã havia lhe enviado.

 -Não vai mesmo. Agora que comecei vou até o fim. Pode ficar com esses aqui, esses que tem coco, não sei quem que teve a idéia de misturar coco com chocolate. Devia ser proibido por lei!

Separando os chocolates com coco, deixou-os na cabeceira da cama, colocou os outros chocolates na sacola plástica novamente e colocou a sacola dentro da mala. Recolheu as embalagens vazias dispersas pela cama, juntou-as em uma bola só e foi até o banheiro para jogá-la no lixo e lavar o rosto.

Olhou-se no espelho e reparou na boca toda suja de chocolate, e manchas de chocolate por todo o rosto, até a testa estava emporcalhada. Riu de si mesmo e disse em voz alta:

- Quando você voltar pra Londres você recomeça a abstinência...

Voltou para o quarto, Ibraim havia deitado-se novamente. Os tambores pararam de tocar e o silêncio tomou conta do quarto. Deitou-se e enfiou a mão debaixo da cama, alcançou uma barra de chocolate que havia deixado ali, quebrou um pedaço grande e o colocou inteiro na boca. Com o chocolate derretendo aos poucos na boca e trazendo sensações indescritivelmente gostosas, ele dormiu com o mesmo sorriso bobo no rosto. Dormiu feliz.

O barulho do chuveiro o acordou. Era Ibraim que estava tomando banho. O sol brilhava lá fora e a luz atravessava as curti nas, iluminando todo o quarto. Ele ainda sentia o gosto de chocolate na boca, era aquele gostinho final que pedia por mais um pedaço. Mas ele resistiu fortemente. Assim que Ibraim liberou o banheiro ele foi e tomou um banho, escovou os dentes, trocou de roupa.

Desceram até o restaurante do hotel onde era servido o café da manhã. Não fossem os damascos e tâmaras secas no buffet, ninguém jamais diria que tratava-se de um hotel em um país muçulmano. Até a música de fundo era bossa-nova.

Já passava das dez horas quando finalmente saíram do hotel em direção ao centro, lá entraram num táxi que por uma quantia astronômica os levou até a entrada da cidade de Éfeso. Do lado de fora várias lojas de souvenires e guias turísticos oferecendo os seus serviços. Também não era barato para entrar, Ibraim estava irritado com os preços das coisas ali.

- Tudo aqui é o dobro ou o triplo do que custa no resto da Europa. Eu paguei menos da metade disso para entrar no Museu do Vaticano e no Louvre! – Ibraim esbravejou.

- Pois é... até o mesmo esse chocolate, igualzinho ao que compramos em Londres aqui é o dobro do preço. Como esse povo sobrevive? – Disse o irmão de volta pra Ibraim, abrindo uma barra de chocolate que acabara de comprar na lojinha ao lado da entrada da cidade.

- Se você passar mal eu vou deixar você aqui! – Brigou Ibraim, referindo-se à quantidade de chocolate que o irmão comera desde o dia anterior.

- Não se preocupe. Eu só vou passar mal quando acabar o chocolate. Vamos pagar logo esse ingresso e entrar na cidade.

Pagaram a quantia definida e entraram. Em cinco minutos já haviam esquecido do valor. O calor era enorme, mas a beleza da cidade era maior ainda. Eles já haviam ido à Grécia e à Roma. Já haviam visto ruínas da mesma época, em diversos lugares. Mas Éfeso era diferente. Era uma cidade inteira, não apenas um pedaço de um templo, um pedaço de um teatro. Era uma cidade inteira. Havia o teatro menor, utilizado para ensaios e peças menores, casas, ruas de comércio. Templos e até uma grande e impressionante biblioteca. Tudo em ruínas, mas perfeitamente mantidos e cuidados.

Era como viajar no tempo, voltar dois mil anos. Ver aquela cidade cheia as pessoas caminhando vendendo, comprando, vivendo. Eles nunca haviam visto tamanha quantidade de ruínas juntas e tão bem arranjadas e organizadas.

Logo na entrada da cidade um grande anfiteatro aparecia. Na placa estava escrito: “Pequeno Teatro Coberto – Odeon”. Não era nem pequeno, nem coberto. Provavelmente o teto já havia caído há tempos, mas tinha a capacidade para 1500 pessoas. Datado de 150 d.C. Mostrava que a cidade, quase dois mil anos atrás, tinha uma intensa vida cultural e artística.

A única coisa que perturbava em Éfeso era que não havia um controle de onde era possível ir. Muitos turistas estavam ali sem ter idéia de que estavam naquela que fora uma das mais importantes cidades do mundo no início da era Cristã. A grandiosidade das obras e das ruínas deixava claro que ali não vivera apenas um outro povo qualquer. Mas os turistas subiam nas ruínas, pulavam de um lado para outro como se fossem macacos, mesmo com placas e dizeres em inglês, francês e turco, ninguém respeitava. Também ninguém impedia. Chegava a ser triste ver aquela coluna dórica maravilhosa com uma marca de barro de tênis ao seu lado. Só faltava aquelas pichações do tipo “Fulano esteve aqui”, “Beltrano ama Cicrana”. Não, não faltava. Ali do lado, na coluna de sustentação do templo de Adriano, uma dessas pérolas estava escrita.

Continuaram o passeio pela cidade de Éfeso. Felizmente muitos também reclamavam do descaso de alguns. E em particular Ibraim ouviu aquela guia turística chamando a atenção de um casal de americanos que insistia em colocar um bebê no alto da coluna, e para isso o pai escalava uma outra ruína, sujando-a com os sapatos cheios de terra.

Ibraim segurou o irmão que caminhava e ficaram assistindo a mulher brigar com os turistas. Ela só sossegou quando o casal finalmente saiu de onde estava e foi embora. A guia então voltou para o seu grupo passando por entre Ibraim e o irmão, olhando-os com cara de brava, como quem dissesse: “Nem pensem em fazer o mesmo!”.

- Mulher brava e corajosa heim? – disse o irmão à Ibraim.

- Sim... – respondeu Ibraim sem tirar os olhos dela.

Ela começou então a explicar ao seu grupo, em um inglês perfeito, mas com um forte sotaque turco sobre a importância da cidade para o mundo de então, principalmente sua ligação com o nascente mundo cristão. Foi provavelmente ali que boa parte do Evangelho de São João foi escrito, e Éfeso era uma das sete igrejas citadas no Apocalipse - aquela que havia esquecido o seu primeiro amor. São Paulo quando chegou por ali encontrou uma cidade que venerava a deusa Artêmis e, ao sair, mal conseguiu ir embora, pois os cidadãos da cidade abraçaram a fé cristã e queriam que ele ali fizesse morada.

Ela também explicou a importância para o império romano e para a civilização pagã. Com seus templos, como aquele em que estavam que era o Templo de Adriano – criado pelo imperador Adriano para venerar o amigo que havia perdido.

- Vamos, a gente não pagou pela tour guiada, ela vai brigar com a gente se a gente ficar acompanhando, ou ainda pior, ela vai cobrar. – Disse o irmão à Ibraim que a esta altura estava hipnotizado pela voz da guia.

Eles caminharam até a grande Biblioteca de Celso, um fascinante prédio que teve seu período áureo nos anos 100 d.C. Ela chegou a conter mais de 12.000 manuscritos. Quando saiam encontraram novamente a guia e o seu grupo, Ibraim parou novamente para ouvir o que ela dizia e o irmão teve de puxá-lo mais uma vez.

Chegaram então ao outro lado da cidade e assustaram-se com o que viram. Ali um enorme anfiteatro, para 44000 pessoas erguia-se imponentemente. Era muito grande e alto. Segundo o livro guia que carregavam era o maior de todos os anfiteatros da Antigüidade – e realmente devia ser. Os dois sentaram-se ali, debaixo do sol do meio-dia e em silêncio ficaram olhando para o teatro, para o palco, para o povo que entrava e saia. O irmão de Ibraim imaginava aquele teatro lotado, uma peça como Édipo Rei sendo encenada, aquela cidade devia realmente ter sido algo muito especial, pois um teatro daquela capacidade não seria construído em uma cidade qualquer. Ibraim por sua vez ficava só olhando para a entrada do teatro, esperando uma certa guia de um certo grupo aparecer.

Assim que a guia apareceu, Ibraim levantou-se e como quem nada quisesse disse:

 Vou ver a vista lá de baixo. Fique aí que tiro uma foto sua de lá.

O irmão dele ficou ali, sentado, assistindo tudo como se fosse uma peça teatral.

Quando Ibraim chegou no meio do palco, tirou uma foto do irmão que estava metros e metros acima e ficou perto da guia que por sua vez estava terminando uma explicação e dispersando o grupo, para que subissem pelas arquibancadas do teatro. Ibraim meio sem graça disse bem devagar em turco:

- Parabéns pelo que você fez lá atrás. Eles estavam realmente arruinando as ruínas.

Ela demorou um pouco a entender sobre o que aquele homem falava, sorriu meio sem graça e falou:

- Obrigada. As pessoas realmente não respeitam a história. Mas você fala turco?

- Um pouco. Mas não sou fluente. – mentiu Ibraim.

- Você fala muito bem. De onde você é?

- Oh, perdão por não me apresentar, sou Ibraim Ramos. Sou do Brasil.

-Muito prazer Ibraim, sou Meryem Suleyman, sou daqui da Turquia mesmo.

O irmão de Ibraim sorria lá de cima. Nunca havia visto o irmão flertando com alguém. Ele sempre tão sério e sisudo. Para o irmão só existiam duas coisas: medicina e Turquia. Não havia espaço para mais nada na vida dele.

Os dois continuaram a conversar por uns dez minutos ou mais e começaram a sair em direção ao final da cidade, onde ficavam algumas lojinhas e bares. Ibraim lembrou-se do irmão, pediu licença à Meryem  e voltou para o anfiteatro.

Vendo o irmão lá de baixo, Ibraim fez sinal para que ele descesse. O irmão viu Ibraim acenando mas fingiu que entendeu que ele estava apenas acenando. Ibraim repetiu o sinal e o irmão que estava lá em cima apenas acenou de volta. Quando Ibraim começou a subir o irmão desceu. Ao chegar próximo de Ibraim ele foi falando:

- Cadê sua namorada?

Ibraim ficou sem graça e tentou desconversar, fingindo que não sabia  sobre o que o irmão falava. Caminharam em silêncio até o final da cidade. As ruínas da Igreja de Maria não estavam abertas para visita, e lá esperando pelo grupo estava Meryem. Ibraim apresentou o irmão à ela e eles conversaram um pouco. Ela era realmente simpática e envolvente. Cada palavra que falava parecia ter sido pensada e criada somente para aquele momento. Cada pergunta que ela fazia, por mais banal e corriqueira que fosse, parecia ser tão profunda e pessoal que era impossível não abrir a alma e entregar a Meryem junto com a resposta. Ela também estava claramente interessada em Ibraim. Ela respondia às perguntas dele de uma forma diferente, em um tom de voz mais alegre e mais alto.

Aos poucos o restante do grupo dela chegou e ela ofereceu carona no ônibus até o centro de Selçuk onde o grupo estava hospedado. Ibraim e o irmão agradeceram e foram caminhando até o hotel onde estavam.

Entraram no quarto e Ibraim jogou-se na cama, suspirando e pensando no dia e principalmente em Meryem. O irmão virou-se para ele e falou:

- Vamos logo, vá tomar banho logo, não temos muito tempo.

- Tempo pra quê? Não temos nenhum compromisso. – Respondeu Ibraim, sem ao menos abrir os olhos.

- Nós vamos jantar no Anatólia Grill, lá no centro. Enquanto você ficava conversando sobre pedras e ruínas com Meryem eu descobri onde é o jantar do grupo hoje. Aquele casal com quem eu conversava ficou de incluir mais duas pessoas – nós dois – na reserva. Então levante-se, tome um banho e passe um perfume que hoje você vamos jantar com a Meryem... você e mais quinze pessoas. 

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